
Por: Maria Eduarda Fernandes.
Rio de Janeiro (Brasil)
Por três anos me dediquei a finalmente registrar as memórias de minha mãe. Este era um compromisso que eu tinha com ela, afinal, algum com 93 anos, tem muita vivência que merece ser registrada para as próximas gerações. E assim, escrevi o “Mãe e Filha Numa Pandemia”.
Mas, no caso da minha mãe em si sua vida perpassa vários momentos da história do mundo, como a segunda guerra mundial, quando ela, os pais e irmãos tiveram que voltar às pressas de Portugal para o Brasil, num navio cargueiro, em junho de 1939, a guerra estourou em setembro deste mesmo ano.
Suas memórias cruzam com as do Brasil, como as posses e deportações de amigos presidentes da República e deputados e, principalmente, as do estado onde vivemos, Rio de Janeiro.
Nos anos 60, meu pai, seu marido, foi duas vezes eleito deputado estadual e presidiu a Assembleia Legislativa. Essa história contada, como dizem os historiadores, de fonte primária, tem mais valor ainda.
É ela relatando as suas experiências, como frequentar duas faculdades (direito e filosofia) numa época, anos 50, em que as mulheres praticamente eram do lar ou professoras de crianças.
Tudo o que ela viveu graças a vida política efervescente do meu pai, nos anos 60, quando ele ainda com 30 anos e seus amigos fundaram o partido criado por Getúlio Vargas, Partido Trabalhista Brasileiro (P.T.B.), que era o mais promissor do momento.
A condecoração que meu pai deu para o presidente Jucelino Kubitschek, no último dia de seu mandato e seu discurso histórico proferido na casa onde meu pai presidia, a ida deles para a inauguração da nova capital federal, Brasília, realizada também por JK, assim como ela me contava, a oportunidade de conhecer vários intelectuais.
Enfim, era os tempos áureos que o Brasil vivia, como o surgimento da Bossa-Nova, seleção de futebol, país acreditando num mundo melhor (…)
Eles também vivenciaram o traumático incêndio de um circo, aqui em Niterói, e quase se foram também, já na fila de entrada, desistiram, mas, voltaram rápido para ajudar amigos que procuravam seus filhos carbonizados. Graças a Deus até o sobrinho do cunhado de mamãe escapou e até hoje é maestro do cantor Roberto Carlos. Foi nesta tragédia que o cirurgião plástico Ivo Pitanguy, renomado mundialmente, contou que fez seu pós-doutorado na vivência prática. E foi aí que a cirurgia plástica deixou de ser apenas estética, mas, também social.
Mas, como numa novela dramática, veio o baque, a ditadura militar. Então, viveram o silêncio de verem seu amigo, o então presidente João Goulart ser deposto e teve que viver no Uruguai para não morrer, em 1964.
Em 1969 foi a vez do meu pai sofrer a cassação do mandato político e da carreira de procurador do estad. Graças a Deus não foi preso e nem torturado, como muitos de seus colegas. Eles tendo que criar 5 filhos, se viram sem teto e sobreviveram com cabeça erguida, resiliência e muita ética, graças a ajuda de amigos, que pouco a pouco foram dando causas trabalhistas para ele advogar.
O fato de meu pai ser íntegro e honesto, não é história de filha iludida, porque este relato vem de todas as partes. Um dia eu atrevidamente, lhe perguntei de o porquê vivermos com tanta restrição financeira, se na ditadura, eu via amigos chegarem na PUC, a faculdade que eu estudava, de carro do Senado, graças as pais. Ele me olhos com os olhos em lágrimas e respondeu:
– Um dia você vai entender que não te deixo riqueza financeira, mas riqueza moral e está ninguém lhe tira, este é o maior tesouro que você pode ter na vida entrar em qualquer lugar, tranquilo, com a segurança que só tem quem não deve nada.
Vivemos todos os momentos de silêncio, de medo, incerteza e vigilância secreta dos militares. Em uma de tantas tardes que conversamos durante a pandemia, mamãe me contava que todas as tardes vinha um soldado revistas a nossa casa, mas, vinha também, o seu padrinho, Coronel do Exército, eu desconfie que talvez, graças a ele o pior não tenha acontecido com papai. Eles viveram também a reabertura política nos anos 80, meu pai foi anistiado 10 anos depois, em 1979, podendo então, mais uma vez refundar o PTB.
Mas, você deve estar me perguntando d porque eu estar te contando isso. É, porque, eu estava escrevendo quando aqui no Brasil, tínhamos um presidente autoproclamado de extrema-direita, que dentro da Câmara dos Deputados fazia saudações ao torturador destes tempos de chumbo, General Ustra, não sei como não saiu preso de lá. E este presidente foi paulatinamente normalizando da barbárie. Do fascismo, homofobia, racismo, do deboche à ciência e dos mortos pela covid, graças a sua demora em importar vacinas dizendo:
– Eu com isso, não sou coveiro.
E meus amigos, o que mais me chocou foi a nova “banalidade do mal” como dizia
a filósofa Hannah Arendt para descrever a banalização da violência, que é um mal que se tornou comum. A filósofa judia usou esta expressão no livro Eichmann em Jerusalém, publicado em 1963.
E tão chocante quanto ver essa banalização é a população apoiar, veementemente indo às ruas berrar, e sem medo ou pudor, invadirem os três poderes, No Brasil e o Capitolio, nos EUA.
Tenho amigos da classe média que apoiaram talvez na ilusão de poderem viver dos seus privilégios velados e continuarem deixando a classe baixa, operaria, bem reprimida para poderem continuar escravizando-as. Todos achando que Bolsonaro ganhando iriam frequentar Maralago, na Flórida e ganhar um apartamento na Trump Town (NY).
Alguns amigos, ou por sonsices ou ignorância, ainda ousaram me questionar se de fato a ditadura fora tão ruim assim e se de fato eu tinha traumas.
Eu me lembro que mamãe vendo a ascensão de Bolsonaro, me dizia:
– Estou vendo a volta da ditadura.
Que tal qual os governos dele, nos anos de chumbo, os militares também pregavam “pátria, família e Deus” e interromper o governo democrático, dizendo ser por apenas dois anos, para banir os comunistas e aqui tocaram o terror no sufocado grito de terror nos torturados, em suas casernas e, aumentavam os fogos e cantorias nacionalistas quando o Brasil jogava na Copa do Mundo de 1970.